
Desembargadores durante a reunião do CNJ. Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ
O Conselho Nacional de Justiça liberou o Tribunal de Justiça de São Paulo para seguir negociando com a Microsoft o mega contrato para migração do seu sistema de processo eletrônico e adoção de computação em nuvem, um contrato bilionário que deve criar precedentes no país.
A decisão, no entanto, ainda não é final: o CNJ só suspendeu os efeitos da liminar que proibiu o prosseguimento das negociações. A contratação ainda está suspensa até análise final do plenário.
Prevaleceu o entendimento do relator, conselheiro Márcio Schiefler, votou para suspender os efeitos da liminar para que o tribunal possa dar prosseguimento, desde que a corte paulista ree informações sobre licitações e tramitação ao CNJ.
"O TJ-SP apresentou diversas explicações acerca da contratação. Uma das explicações é o esgotamento tecnológico, que não é estável, sendo alvo de travamentos, além da economia de bilhões. Entretanto, o TJ-SP fez a contratação sem o conhecimento do CNJ", disse Schiefler.
Os conselheiros da CNJ temem, por exemplo, uma falta de integração entre o sistema de informática dos demais tribunais, usuários da solução da catarinense SoftPlan, e o Tribunal de Justiça de São Paulo, que trocaria a SoftPlan pela Microsoft.
Ao fazer a defesa do contrato na CNJ, o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Manoel de Queiroz Pereira Calças, criticou durante o sistema e-SAJ, da Softplan.
"O sistema e-SAJ é obsoleto, esgotado e a empresa responsável não possui comprometimento. Eles não têm atendido sequer as notificações encaminhadas”, fulminou Calças.
Ele disse ainda que o TJ-SP teria que investir R$ 900 milhões até 2020 para atender às demandas atuais do próprio Conselho Nacional de Justiça.
Calças também defendeu a decisão de contratar a Microsoft sem disputa direta com concorrentes, uma vez que Amazon e Google não teriam aceito abrir o código fonte da nova aplicação para o TJ-SP e não fazer subcontratações.
“A única empresa que aceitou todos os requisitos foi a Microsoft”, disse o desembargador.
A intenção do argumento parece ser o de conseguir uma liberação imediata do contrato.
No longo prazo, porém, a decisão pode acabar sendo benéfica para a Microsoft. Com o CNJ se envolvendo diretamente na negociação junto com o TJ-SP, uma eventual aprovação do contrato no final criará um precedente ainda mais sólido para outros tribunais tomarem a mesma decisão.
É natural que o CNJ queira se envolver: ele é o órgão de controle do sistema judiciário brasileiro, principalmente no que diz respeito ao controle e à transparência istrativa e processual.
O contrato, a ser executado ao longo de cinco anos tem um custo total de R$ 1,32 bilhão.
O valor é alto, mas o TJ-SP argumenta que vale a pena no médio prazo, com uma economia prevista de R$ 1 bilhão em 10 anos, pela redução dos gastos em infra em 40% em cinco anos.
Os argumentos dos opositores do projeto, no entanto, não são econômicos, mas de segurança de dados, uma vez que as informações do judiciário podem acabar em data centers da Microsoft em outros países, respondendo a outras jurisdições.
Críticos do argumento de falha de segurança certamente vão lembrar que na semana ada o próprio Conselho Nacional de Justiça sofreu um vazamento de dados, incluindo informações pessoais como nomes completos, números de contas bancárias, telefones, Fs, além de credenciais de o para serviços.
O site TecMundo, que com frequência revela falhas do tipo, recebeu o documento do vazamento em sua integridade, incluindo 6 mil linhas de dados.
No final das contas, parece que a questão será definida se a Microsoft conseguir provar que os dados do TJ-SP ficarão hospedados no Brasil, onde a companhia mantém um data center (que certamente poderá ser expandido para atender a demanda).
Empresas como a Microsoft mantém dezenas de data centers espalhados pelo mundo e parte do seu modelo de dados é replicar dados e sistemas em diferentes lugares para garantir estabilidade do serviço.
A possibilidade de demonstrar que um dado está somente dentro das fronteiras de um país e mais, que ele não pode ser ado desde outro país, é um assunto para técnicos. Provavelmente, não é um debate dos mais simples.
Mas a discussão não é só técnica, é claro. Em termos políticos, o Judiciário está reeditando um debate sobre estratégia de TI que já aconteceu no executivo federal, opondo um campo defensor de desenvolvimento de soluções próprias em open source e outro apoiador da aquisição de software proprietário de fornecedores privados.
O primeiro grupo foi preponderante durante as istrações petistas em Brasília, mas começou a perder força já no últimos anos de Dilma Rousseff.
A questão privacidade de dados no contexto de serviços oferecidos na nuvem chegou nos últimos no debate, embalada em parte pela revelação de que Dilma estava sendo espionada pelo NSA, serviço de inteligência americano, ainda em 2013. O Serpro tentou aproveitar o embalo. Dilma chegou a falar em lançar um e-mail 100% brasileiro, um plano que deu em nada.
Com a chegada ao poder de Michel Temer (que usava um e-mail pessoa física do Gmail como vice), o processo de abandono do open source que já havia começado em órgãos públicos como a Caixa Econômica, onde produtos da Microsoft começaram a ser comprados já em 2012, se acelerou e foi para o coração do governo.
O símbolo dessa nova era foi um contrato de R$ 29,9 milhões fechado pela Embratel no Ministério do Planejamento para fornecimento de nuvem da AWS. O Planejamento é o ministério que estabelece as diretrizes de TI, entre as quais estava no ado não hospedar dados fora do país.
Não há qualquer indicativo de que o novo governo encabeçado por Jair Bolsonaro vá recuar nessas posições. Todas as sinalizações são no sentido de abrir as portas para a iniciativa privada, incluindo aí os grandes players internacionais de computação em nuvem.