
Tome a pílula branca e você é adquirido pela Stone. Tome a pílula amarela e quem compra é a Totvs. Foto: Pexels.
A Linx, maior empresa de software de gestão para o segmento de varejo do país, se tornou centro de uma disputa sem precedentes no mercado de tecnologia do país, envolvendo a Stone, a Totvs, e, correndo por fora, a Rede.
O primeiro o público da disputa foi da Stone, que na terça-feira, 11, anunciou uma oferta de R$ 6,04 bilhões, 90% em dinheiro, 10% em ações.
O negócio foi saudado por analistas como uma convergência de suas operações com sinergias óbvias.
Nesta sexta-feira, 14, a Totvs veio a público com uma nova oferta, de R$ 6,1 bilhões, em dinheiro e ações, resultando numa nova Totvs no qual os atuais acionistas da Linx teriam 24%.
Correndo por fora, está a Rede, que, de acordo com executivos ouvidos pela Exame, estaria preparando sua própria proposta. Pelo tamanho da Rede, ela teria o potencial de abrir um verdadeiro leilão.
Ao anunciar sua oferta ao conjunto de acionistas da Linx, a Totvs revelou que estava em conversas com a direção da empresa, e que elas foram interrompidas unilateralmente antes do anúncio da venda para Stone.
De acordo com a Totvs, havia ficado acertado entre as companhias que a Totvs apresentaria sua proposta formal após a divulgação do balanço da Linx, que estava previsto para a noite de segunda-feira, dia 10. O balanço não saiu. Na terça, a Stone fez sua oferta.
Nesta segunda-feira, 17, a Linx reagiu a essa versão, afirmando que quando da aprovação da proposta da Stone "não havia qualquer expectativa ou elemento concreto a respeito de uma eventual proposta da Totvs".
Segundo a Linx, entre 31 de julho e 4 de agosto, a Totvs informou que qualquer proposta sua ainda estava em "estudos preliminares" e "demoraria semanas", e que a Totvs não voltou a procurar a empresa.
"Não há qualquer acordo vigente de confidencialidade que permita o compartilhamento de informações entre a Companhia e a Totvs, tipicamente a primeira etapa necessária para a discussão de uma operação de combinação de negócios", afirma a Linx.
Independente da guerra de versões, a Totvs fez agora o que se chama de uma oferta agressiva, no qual uma empresa tenta comprar a outra sem um acordo prévio com o conselho da companhia alvo.
A negociação se parece em momentos com um triângulo amoroso: segundo apurou o Neofeed, a Stone teria sondado a Totvs para uma compra, antes de desistir e abrir uma negociação com a Linx, empresa na qual vê mais possibilidades de sinergia.
A história é muito mais complicada do que um simples quem dá mais, envolvendo também uma escolha do futuro modelo de negócios da Linx, acusações sobre a lisura do processo e até relacionamento entre o comando da Linx e da Totvs.
Entre a oferta da Stone e a da Totvs a Fama Investimentos, dona de 3% das ações da Linx, veio a público para protestar contra o que considera como uma conduta antiética dos três sócios fundadores da Linx.
Alberto Menache, Nércio Fernandes e Alon Dayan, os três fundadores da Linx, vão levar sozinhos uma bolada de R$ 1,2 bilhão pela venda na proposta da Stone.
A cifra é R$ 400 milhões maior do que dariam direito os 14% de ações detidas pelo trio, porque os empresários estão sendo pagos pela Stone também por meio de salários e as chamadas cláusula de non-compete, que os impedem de ir trabalhar na concorrência.
De acordo com a Fama, os valores extra recebidos pelos três sócios em relação aos acionistas normais (35% a mais no caso de Fernandes e Dayan, 63% no caso de Menache) são contra a chamada regra do tag along prevista para as ações listadas no Novo Mercado.
Esse princípio garante que todos os acionistas precisam receber o mesmo valor numa venda da empresa. A gestora sugere que os acordos são “estratagemas criativos” desenhados para driblar a regra do jogo.
A oferta da Totvs, por outro lado, é explícita em afirmar que o mesmo valor será pago a todos os acionistas.
Em sua nota, a Totvs frisa que sua oferta é a que “melhor atende ao interesse do conjunto de acionistas da Linx, sem conflitos de interesses, benefícios particulares ou assimetria de tratamento”.
De acordo com a Exame, acionistas da Linx já discutem se as cláusulas assinadas com a Stone não seriam ilegais, uma vez que pela Lei das Sociedades por Ações, es estão comprometidos em defender o melhor interesse da Linx e de seus acionistas.
Um complicador adicional é que 53% das ações da Linx estão em circulação na bolsa, com investidores individuais.
Além dos sócios e da Fama, os outros grandes acionistas são a GIC, fundo soberano de Cingapura, com 10% e o fundo de investimento americano Genesis Asset Managers, com 5,4%.
Para fechar a confusão, estão as relações complicadas entre Totvs e Linx. O atual presidente da Totvs, Dennis Herszkowicz, é ex-executivo da Linx, onde era CFO.
Herszkowicz foi contratado em novembro de 2018 e, de acordo com a Exame, a saída para a concorrente deixou um mal estar não curado entre ele e Alberto Menache, presidente da Linx.
Quem vinha conduzindo a negociação com Menache era Laércio Cosentino, o fundador da Totvs. Cosentino já conduziu grandes aquisições e não está acostumado a levar uma porta na cara.
Mais além da discussão sobre os benefícios aos sócios fundadores da Linx, ou às relações entre Linx e Totvs, existem outras grandes diferenças entre as ofertas da Stone e da Totvs.
Analistas ouvidos pela Exame apontam que a venda para a Stone teria mais “sentido estratégico”, uma vez que a nova empresa terá uma operação vertical, com negócios em software e pagamentos, formando uma oferta conjunta mais competitiva.
Por outro lado, o acionista receberá basicamente dinheiro agora (cerca de 30% acima do valor de mercado da Linx antes da oferta) e não participa tanto desse crescimento futuro.
Já na operação da Totvs, o acionista da Linx tem a chance de ser sócio dos benefícios da união das empresas, ainda que receba menos dinheiro em um primeiro momento.
A diferença no caso é que seria uma fusão mais clássica, solidificando a presença da Totvs como líder no mercado brasileiro de sistemas de gestão com uma vertical de varejo, segmento que não é o forte da empresa.
A combinação de Totvs e Linx criaria uma empresa com faturamento de R$ 3,2 bilhões, a maior da América Latina na área de software as a service, segundo apresentação da Totvs, justificando a combinação dos negócios (provavelmente, a Totvs já é hoje a maior em SaaS na América Latina, mas tudo bem).
A expectativa é, que após o lance da Totvs ter se tornado público, a Stone venha a defender sua oferta com um aumento na proposta. No meio tempo, as ações da Linx se valorizaram acima do lance da Stone.
Até a segunda-feira, o valor de mercado da Linx era de R$ 3,8 bilhões.
Trata-se de uma disputa sem precedentes quando o assunto são empresas de tecnologia no Brasil, e um dos maiores negócios do mercado brasileiro de ações em geral. Agora mesmo o jogo está aberto.