
Após 21 anos, Ceitec parece encaminhada para o fim. Foto: Divulgação.
O Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) anunciou nesta quarta-feira, 10, que vai propor a liquidação da Ceitec, estatal de fabricação de chips sediada em Porto Alegre.
A decisão final está agora com o presidente Jair Bolsonaro.
Caso se confirme, a Ceitec será a primeira empresa pública a ser extinta nos termos de um decreto de 2018 que criou a modalidade de dissolução societária.
Pela proposta, os empregados da empresa, contratados por meio de concurso, terão os contratos rescindidos e todos os direitos pagos.
O secretário executivo do Ministério de Ciência e Tecnologia, Julio Semeghini, disse durante a coletiva que será feita uma “tentativa” de qualificar uma parte do Ceitec como uma organização social, figura jurídica conhecida pela sigla OS.
A parte do Ceitec que seguiria nessa nova encarnação seria a de design de chips, com as patentes geradas nos últimos anos e parte da equipe.
De acordo com Semeghini, pode haver ainda um acordo com algum eventual interessado em absorver a parte de produção, o que parece pouco provável, uma vez que fabricação de chips é um negócio intensivo em capital e uma atualização da Ceitec pode custar milhões de reais.
“A liquidação não será feita de qualquer forma. Não queremos ter uma interrupção nos projetos da Ceitec”, disse Semeghini.
Uma OS é um tipo de associação privada, com personalidade jurídica, sem fins lucrativos, que recebe subvenção do estado para prestar serviços considerados de relevante interesse público
Elas podem receber dotações orçamentárias, isenções fiscais ou mesmo subvenção direta, para a realização de seus fins.
O Ministério da Ciência tem duas unidades de pesquisa organizadas dessa forma: o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) e a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP).
É preciso olhar com algo de ceticismo essa possibilidade, uma vez que o assunto OS surgiu aos 45 minutos do segundo tempo e existe uma queda de braço dentro do governo sobre a Ceitec.
O Ministério da Ciência e Tecnologia está do lado que quer preservar o Ceitec. Do outro, está secretário especial de Desestatização, Salim Mattar, que foi ao Twitter comemorar a liquidação:
“A Ceitec, aquela empresa do chip para a orelha do boi, é a primeira estatal a ser liqüidada. Isso significa menos uma estatal que só onerava o cidadão pagador de impostos”, twittou Mattar.
Mattar, inclusive, deu uma entrevista a revista Veja ainda em abril de 2019, afirmando que Semeghini não queria privatizar nenhuma estatal da pasta. Já no primeiro mês do governo Bolsonaro circulavam rumores de uma liquidação próxima da Ceitec.
O próprio Semeghini reconheceu na coletiva que a Ceitec já havia recebido investimentos de R$ 800 milhões do governo federal desde a federalização da iniciativa do governo gaúcho em 2009.
A Ceitec tem hoje um faturamento de R$ 15 milhões frente a um orçamento anual de R$ 86 milhões.
Parte da política industrial dos governos petistas para a área de semicondutores, a Ceitec está mais ou menos à deriva desde o impeachment da presidente Dilma Rousseff e a crise econômica.
Desde então, sumiram o incentivo político e o dinheiro para a ideia de transformar o Brasil em um polo de desenvolvimento de semicondutores (nos seus tempos áureos, Eike Batista chegou a anunciar planos bilionários na área).
Mesmo durante as istrações petistas já havia discussões mais ou menos abertas sobre o propósito de seguir investindo.
Ainda em 2009, o então presidente do Ceitec, Eduard Weichselbaumer, disse publicamente que a empresa só seria bem sucedida se fosse privatizada.
Em 2013, foi discutida publicamente a possibilidade de venda de parte de empresa, deixando o governo como sócio de uma PPP gerida pela iniciativa privada.
Durante a istração Michel Temer a Ceitec ficou num limbo, voltando aos debates como um alvo para a pauta desestatizante da ala liberal do governo Bolsonaro.
Há quem avalie que a Ceitec foi bem sucedida, olhando pelo prisma da estratégia de política industrial.
"Nunca foi o propósito ser uma gigante global de semicondutores, e sim uma indutora da política microeletrônica do País, o que de fato aconteceu”, disse ao Jornal do Comércio Adão Villaverde, secretário da Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul em 1999, quando a iniciativa deu os primeiros os.
Segundo disse ao JC Luiz Gerbase, um dos acionistas da HT Micron, a t-venture coreano brasileira instalada em São Leopoldo em 2009 pode ser considerada uma consequência do interesse gerado pela Ceitec.
(A HT enfrenta hoje suas próprias turbulências, com o lado coreano assumindo o controle e está tentando reposicionar a empresa).
Na opinião de Gerbase, uma das falhas foi não tornar o governo brasileiro o maior cliente da Ceitec, em iniciativas como o chip do aporte, que nunca andou para frente.
Funcionários da Ceitec circularam em redes sociais informações sobre o potencial dos contratos com o governo, incluindo R$ 25 milhões em vendas anuais do chip do aporte, R$ 10 milhões em chips para veículos.
No final das contas, ao longo de sucessivas istrações em Brasília, o governo federal nunca se tornou um comprador significativo da Ceitec, ao mesmo tempo em que também não dava abertura para a empresa ser tornar um player independente em um mercado altamente competitivo.
“Faltou investimento para fortalecer a empresa, mas na verdade o que mais faltou foi autorização e agilidade do acionista principal, que é o governo federal. Não podíamos, por exemplo, fazer t venture para ar outros mercados”, disse ao JC Marcelo Lubaszewski, presidente da Ceitec de 2013 a 2016.
Weichselbaumer, um executivo alemão que foi o único profissional vindo da iniciativa privada para comandar o Ceitec e hoje mora em São Francisco, onde atua no setor de eletroeletrônica, foi bem mais direto ao ser questionado sobre o tema pela reportagem do Baguete no ano ado.
“É uma vergonha o que foi feito com o Ceitec nos últimos 10 anos. istrar uma empresa não é tarefa para burocratas, professores universitários ou funcionários de ministério que querem um grande salário por nada. Essa é uma indústria especializada e altamente competitiva”, disse Weichselbaumer, que deixou a empresa em 2010, em meio a choques por mais autonomia com o Ministério de Ciência e Tecnologia.
“Sem um plano viável, essa instituição só pode ser fechada”, previu Weichselbaumer.