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Dinheiro era por baixo da mesa, mas dentro do sistema. Foto: Shutterstock.
A 26ª fase da Lava Jato, desatada nesta terça-feira, 22, e batizada de Operação Xepa, acabou mostrando o que poderia ser chamado de “TI do B” da Odebrecht, ou a infraestrutura de tecnologia que a empreiteira usava para gerenciar o pagamento de propinas.
Em depoimento prestado em acordo de delação premiada, a secretária Maria Lúcia Tavares, uma funcionária com 40 anos de casa, revelou que os pagamentos eram controlados no sistema de gestão MyWebDay.
O MyWebDay é um sistema de gestão desenvolvido internamente no início dos anos 90 para atender a toda a organização. Ele começou a ser substituído por tecnologia da Oracle ainda em 2008.
De acordo com o cronograma do projeto divulgado então, o ERP seria gradativamente trocado pelo Peoplesoft dentro do chamado Projeto O2 e deveria ser desligado em 2012.
Na época, o motivo da migração seria que o MyWebDay era baseado em tecnologia da Oracle que seria descontinuada e deixava a desejar em algumas operações, principalmente nas de exportação e importação.
Aparentemente, o sistema ainda atendia bem às demandas 100% verde amarelas do setor de Operações Estruturadas, que, de acordo com o depoimento de Maria Lúcia, era um departamento exclusivo para pagamentos ilícitos.
Segundo a Polícia Federal, em algum momento em 2015 o sistema foi terminado, no que os policiais avaliam como uma “clara tentativa de destruir evidências”.
O sistema era de tal maneira organizado que altos executivos da empresa eram os responsáveis por liberar os pagamentos ilícitos.
"Chama a atenção que as requisições planilhadas e aquelas constantes do sistema informatizado são sempre caracterizadas por três dados importantes: a obra, o responsável/DS (Diretor Superintendente) e o beneficiário/codinome”, avalia o relatório da Polícia Federal.
Segundo as investigações, o processo se dava da seguinte forma: os diretores superintendentes recebiam as demandas de seus subordinados (os diretores de contrato) e as encaminhavam aos executivos da empreiteira.
"Como se vê, o pagamento de vantagem indevida no âmbito do grupo Odebrecht se encontra devidamente 'normatizado' e observa, em última análise, ao sistema de gestão implementado no conglomerado empresarial", descreve a PF.
Além de propinas em empreendimentos ligados à Petrobras, há indícios de pagamento de propina pela Odebrecht também nas áreas de óleo e gás, ambiental, infraestrutura e em estádios de futebol, por exemplo.
O departamento da propina era integrado inclusive pelo herdeiro Marcelo Odebrecht, próprio responsável por liberar diretamente a propina ao marqueteiro do PT João Santana.
Os investigadores apreenderam inúmeras planilhas e telas que indicam um sistema informatizado de propina no qual os pagamentos e seus destinatários são ocultados por codinomes e senhas, sempre relacionado a altos valores, tanto em reais quanto em dólares e euros.
"A menção a 'lançamentos', 'saldos', 'liquidação' e 'obras' não deixa qualquer margem para interpretação diversa: trata-se de contabilidade paralela, destinada a embasar pagamentos de vantagens indevidas pelo grupo", diz relatório da PF.
O sistema eletrônico contava até mesmo com um balanço de todas as contas paralelas geridas pelo Setor de Operações Estruturadas.
Apenas uma dessas contas registrava o saldo de R$ 65 milhões em novembro de 2015. Tais contas eram também abastecidas com dinheiro de contas da Odebrecht no exterior.
Essa não é a primeira vez que a área de TI aparece na investigação da Lava Jato no Grupo Odebrecht.
No começo de março, a área de TI da companhia não cumpriu uma ordem judicial para entregar cópia de todas mensagens de e-mail relacionadas à conta de "mbahia", utilizada por Marcelo Odebrecht, presidente da organização, preso desde junho de 2015.
A justificativa apresentada, segundo a Folha de S. Paulo, foi a de que a conta de e-mail "sumiu" e não pode ser recuperada por falta de backup nos servidores do grupo Odebrecht.
De acordo com a explicação dada por executivos da TI da companhia, os dados de e-mails são automaticamente excluídos quando alguém se desliga da Odebrecht, sem que o setor de recursos humanos notifique o setor de tecnologia.
O backup só seria feito para e-mails com até 3 GB, enquanto contas com mais de 10 GB não têm backup. A explicação, no entanto, não faz sentido, pois quanto mais alto é o cargo de responsabilidade dos executivos, maior costuma ser o espaço de armazenamento dos e-mails.
Na Odebrecht, outras duas contas também sumiram dos registros. Elas pertencem a Fernando Migliaccio e Hilberto Mascarenhas – executivos suspeitos de serem os operadores das offshores que fizeram pagamentos ao marqueteiro João Santana e a executivos da Petrobras em contas secretas na Suíça.