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Sebastião Melo confere o estrago em Porto Alegre. Fotos: Mateus Raugust/ PMPA
A Alvarez & Marsal, consultoria americana especializada em gestão de crise, já tem um plano de ação básico para Porto Alegre.
A entrada em cena da Alvarez & Marsal, que esteve envolvida na reconstrução de Nova Orleans, foi anunciada pelo prefeito Sebastião Melo (MDB) nesta segunda-feira, 13.
Melo disse que a Alvarez & Marsal trabalharia gratuitamente por 60 dias e que depois a cidade ia ver o que fazer.
Segundo o prefeito, 20 funcionários chegariam para somar esforços aos técnicos do município já na primeira semana.
Pois bem, o site Matinal, de Porto Alegre, já teve o a um plano inicial da consultoria, com ações previstas para 100 dias.
Segundo o site, o documento é dividido em cinco partes: 1) estruturação do plano e gestão do comitê de crise; 2) ações emergenciais e logística de recursos; 3) gestão de recursos financeiros; 4) regularização das operações; 5) alavancas fiscais e tributárias.
A essa altura, o documento provavelmente só contém enrolation (a Matinal não chega a citar nada além da estrutura). O que fica é que a empresa já conta com trabalhar na cidade além do prazo inicial de 60 dias mencionado pelo prefeito.
À Folha de S.Paulo, a empresa disse que no momento “concentra seus esforços no diagnóstico e no plano emergencial de ações e, tão logo tenha a estrutura, apresentará cronograma para implementação”.
A notícia da entrada em cena da Alvarez & Marsal está causando celeuma no Rio Grande do Sul, com críticas fortes a que se poderia definir como a “ideologia neoliberal” da consultoria, temperado com uma pitada de ciúme da intelectualidade da capital, cujas universidades estão entre as melhores do país.
A Alvarez & Marsal está nos mercado desde os anos 80, e se descreve como “um parceiro e como agente de mudança em períodos de transição e transformação”, especializado em “melhorar a vantagem competitiva” dos clientes.
Deixando o blablablá corporativo de lado, o que a Alvarez & Marsal faz é tirar seus clientes de grandes confusões, ou pelo menos tentar amenizar as consequências das mesmas.
No Brasil desde 2004, a Alvarez & Marsal se especializou inicialmente em atender empresas afetadas pela Lava Jato. Depois de deixar o judiciário, Sérgio Moro foi consultor por um período.
Mais recentemente, a Alvarez & Marsal foi contratada pela Americanas, depois de estourar o escândalo do balanço fraudado da varejista. Leonardo Coelho Pereira, um ex-sócio da empresa, virou CEO da Americanas.
No que tange à encrenca em curso em Porto Alegre, a experiência prévia importante da Alvarez & Marsal é Nova Orleans, cidade que foi vítima de uma catástrofe climática parecida com Porto Alegre depois da agem do furacão Katrina, em 2005.
Para os críticos, a Alvarez & Marsal tratou a catástrofe como uma oportunidade para tornar a Nova Orleans mais atrativa para moradores endinheirados, com medidas que aumentaram aluguéis (o que os entendidos chamam de “gentrificação”).
Um dos aspectos chaves da reestruturação foi o sistema de ensino, no qual a aposta foi por um modelo privado, por meio do modelo de “vouchers”, com demissões dos professores da rede pública (que era, por outra parte, profundamente disfuncional, como o resto da cidade).
O valor do contrato com Nova Orleans foi de US$ 16,5 milhões, o que dá uma ideia dos custos que Porto Alegre pode ter, se eventualmente houver uma contratação (até agora, nada de oficial foi publicado pela prefeitura sobre o assunto).
“Se o prefeito Melo decidir reconstruir Porto Alegre sendo um laboratório de políticas ultraliberais, negligenciando os alertas climáticos e deixando de lado a população que sofreu na pele a brutalidade desse evento climático, nós não conseguiremos nos reerguer”, aponta o deputado estadual Matheus Gomes (PSOL).
Gomes, que se descreve em sua bio do X como “ecossocialista” foi o deputado mais votado em Porto Alegre nas eleições e a manifestação é mais ou menos exemplar do tipo de críticas feitas até agora.
Como a maioria dos críticos, o deputado aponta as grandes universidades locais como alternativa à Alvarez & Marsal, citando específicamente um grupo de “pesquisadores interdisciplinares” da UFRGS, criadores de “um repositório de informações geográficas que permite análises e simulações para ajudar na tomada de decisão do poder público em momentos de crise”.
Ouvido pelo Matinal, o professor de istração pública da Escola de istração da UFRGS, Diogo Demarco, disse que “recebeu com estranheza” o rápido acerto do município com a empresa.
“Há uma inteligência aqui do estado, particularmente em Porto Alegre, que poderia ser mobilizada para esse esforço de apoio e reconstrução desta tragédia que temos vivido”, afirma Demarco.
As universidades não fizeram nenhuma manifestação oficial até agora sobre o assunto, provavelmente não querendo se envolver em uma polêmica pública com o prefeito.
Procuradas pelo Matinal, PUC-RS e UFRGS listaram suas atividades correntes no crise em curso em Porto Alegre, incluindo todo tipo de tarefas logísticas e alguma que outra proposição mais afundada, mas nada nem perto da influência que a Alvarez & Marsal vai ter com consultores em toda a istração pública municipal.
POR ONDE ANDA O PACTO ALEGRE?
UFRGS, PUC-RS e Unisinos, as grandes universidades instaladas na capital, devem estar no momento alinhando uma posição sobre como influir mais na reconstrução de Porto Alegre.
As instituições têm inclusive um foro para isso: o Pacto Alegre, uma iniciativa lançada pelas três em 2019, visando fomentar o ecossistema de inovação na cidade, que acabou envolvendo boa parte do PIB gaúcho.
Parte do escopo da iniciativa era a promoção de diversas ações visando o desenvolvimento do ecossistema de tecnologia da cidade, como incentivos para instalação de empresas, formação de mão de obra qualificada e digitalização do governo.
Grandes empresas como RBS, Sicredi e Agibank inclusive financiaram a contratação de Josep Piqué, até recentemente Presidente da Associação Internacional de Parques Científicos e Áreas de Inovação (IASP) e um especialista quando o assunto é sacudir cidades por meio de projetos desse tipo.
Piquet foi um idealizadores do Barcelona @22, um projeto de revitalização de uma área industrial dentro da cidade espanhola, o que o tornou uma autoridade mundialmente reconhecida no assunto.