
Feira está de saída de Porto Alegre.
A BITS, feira de tecnologia marcada para acontecer no centro de eventos da Fiergs em Porto Alegre entre 11 e 13 de agosto, está cancelada.
A informação é de fontes de mercado ouvidas pelo Baguete e foi confirmada pela BITS, através da sua assessoria de imprensa.
Em nota, a Hannover Fairs e a Fiergs atribuem a decisão ao “o atual cenário politico e econômico no país, que apresenta retração dos investimentos do setor corporativo” e apontam que o cancelamento é uma medida de “preventiva de preservação do mercado e dos investimentos e face ao risco de não oferecer um evento internacional de alto padrão”.
A retórica da nota deixa em aberto a possibilidade de uma volta em 2016 (a Hannover Fairs e Fiergs tem um contrato até 2021) mas quem acompanha o histórico da BITS sabe que os problemas da feira vem há tempos. A crise econômica provavelmente foi só a gota d’água.
A BITS enfrentou dificuldades para decolar em Porto Alegre desde a primeira edição em 2010. Apesar de ter divulgado negócios na casa dos US$ 31 milhões no ano ado, quase o dobro do registrado em 2013, o evento penava para atrair público e expositores.
A visitação em 2014 foi de 7 mil pessoas, 42% a menos do que no ano anterior. O público já vinha em declínio constante desde os 10,5 mil da primeira edição, com somente um ponto fora da curva em 2013, quando atingiu 12 mil visitantes.
Em termos de expositores, o evento também nunca mais voltou a atingir a quantidade e a qualidade do ano da estreia.
Só há dados oficias de metragem para 2014, quando a feira teve 4.439 metros quadrados de expositores, mais ou menos em linha com as estimativas de entendidos no ramo, que apontaram cerca de 5 mil nas edições anteriores.
Nos primeiros anos, chegou a circular uma meta de dobrar de tamanho para 10 mil metros, o que acabou saindo dos discursos públicos. De qualquer maneira, extraoficialmente, pessoas ligadas à feira comemoraram o fato de que o empreendimento teria entrado no azul pela primeira vez no ano ado.
Quem andava pelos corredores da feira, no entanto, notava truques clássicos do segmento para inflar metragem, como fazer corredores mais largos a cada ano. Em paralelo, os participantes diminuíam a qualidade do investimento nos seus espaços.
Poucas empresas, aliás, efetivamente pagavam por algo. Os expositores privados estavam em estandes coletivos, com participações subsidiadas por Sebrae, Rede CIN/Apex e os governos português, indiano, argentino e alemão.
Apenas 15 empresas bancaram seus próprios estandes, todas elas com investimentos discretos em stands padrão em áreas periféricas, muito mais simples os grandes espaços construídos no centro do evento por empresas como Locaweb e Teevo na primeira edição.
Os patrocinadores foram quase puramente institucionais, incluindo Sebrae-RS, Prefeitura de Porto Alegre, Procempa e Unisinos. Em 2013, chegaram a integrar a lista a Totvs e GetNet.
Nenhuma das edições contou com a participação de grandes multinacionais de TI participando como expositores, o que era uma meta da organização desde a primeira edição.
A solução dos organizadores nos últimos dois anos foi apostar num reposicionamento, visando deixar para trás o conceito de feira, na qual os visitantes são atraídos pelos expositores, para ser um encontro focado em conteúdo, ao estilo “summit”.
A estratégia seria intensificada em 2015, ano no centro do evento seria ocupado por um palco com palestras de representantes de empresas como Forrester e IBM. A BITS chegou a divulgar nomes de palestrantes, uma boa parte deles especialistas europeus.
Provavelmente, o evento ruiu porque não conseguiu executar a transição das fontes de receita do número declinante de expositores em stands para o público interessado em conteúdo de TI. Os ingressos eram salgados, saindo por R$ 400 no primeiro lote, R$ 500 no segundo e R$ 750 no terceiro.
Os cancelamentos da Renex e da BITS aconteceram depois de que a Deutsche Messe, gigante alemã de feiras, comprou os 49% de participação restantes na Hannover Fairs Sulamérica, tirando da companhia Constantino Bäumle, executivo que montou a operação no Brasil e colocando no lugar Valério Regente, ex-Software AG.
Desde então, a empresa tem tirado o pé do acelerador. No ano ado, foi cancelada a Renex South America, feira de energias renováveis que teria sua segunda edição em novembro em Porto Alegre, também na Fiergs.
Seja como for, o cancelamento da BITS é um mico para as entidades de TI, e, talvez, para o setor de tecnologia gaúcho como um todo.
A vinda da BITS, uma feira com a grife da alemã Cebit, foi o produto de anos de mobilização da comunidade empresarial de TI, articulada em torno de um comitê pró-Cebit.
O fato foi saudado como uma prova que a indústria de TI do Rio Grande do Sul poderia ter um lugar de destaque no cenário nacional de tecnologia, quiçá latino-americano.
A BITS se concretizou em Porto Alegre no embalo de uma relação aquecida entre o Brasil e a Cebit. O ponto auge do processo foi a escolha da candidatura brasileira a país parceiro da feira alemã em 2012, resultando na maior delegação verde amarela na histórica do evento.
A influência da Fiergs garantia a vinda de capital de expositores institucionais como a prefeitura de Porto Alegre, através da Procempa, assim como organizações como o Sebrae-RS e parques tecnológicos gaúchos.
As entidades de TI, que em tese poderiam prover uma interface de captação com as empresas de tecnologia locais interessadas em expor. O desempenho da feira e o fato das vendas serem centralizadas em Curitiba nunca ajudaram nesse sentido.
Também a verdade que as entidades de TI não conseguiram ajudar muito a feira de qualquer outra forma, com a exceção da Sucesu, que fez uso do seu relacionamento com CIOs para atrair esse requisitado visitante para a BITS.
Em uma ocasião pública, pelo menos, a divisão e a desarticulação das entidades de TI gaúchas produziram o que pode ter sido um dos fatos decisivos na direção de mandar a BITS para a tumba.
Em setembro de 2012, meses depois da realização da segunda edição da BITS, quando já estava claro que algo não estava funcionando no evento, a feira foi pauta de um encontro do Palácio Piratini.
O governador Tarso Genro recebeu representantes da AGDI, Fiergs, Badesul, CETI e Hannover Fairs para um almoço na sede do governo gaúcho.
Com esse antecedente, e muito provavelmente com o dedo de Tarso, vieram a Porto Alegre Ricardo Schaefer, secretário executivo adjunto do Ministério de Desenvolvimento e o diretor do BNDES Júlio Ramundo.
Também vieram o diretor de Marketing da Totvs, Robério Lima e da CEO Brasil da Stefanini, Mônica Herrero.
No lugar certo e com as pessoas certas, uma defesa consistente da BITS poderia ter atraído o apoio que a feira necessitava para mudar de rumo.
O que aconteceu, no entanto, foi exatamente o oposto disso. Participaram da reunião virtualmente todas as entidades existentes, com dezenas (literalmente) de representantes de cada uma delas ocupando o microfone sem um discurso articulado - na verdade, com mensagens contraditórias entre si.
Talvez a BITS fosse uma proposta comercial inviável para Porto Alegre de qualquer maneira. Talvez fatores atavísticos do Rio Grande do Sul tenham contribuído para o seu fracasso. O debate está aberto. A feira, infelizmente, fechou.