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O que deu errado para a varejista Americanas? 2n3b72

Para entender a crise na varejista, é preciso entender o funcionamento correto de um balanço. 326s23

20 de janeiro de 2023 - 09:58
Ivo Cairrão, sócio-fundador e conselheiro no Grupo IAUDIT. Foto: Divulgação

Ivo Cairrão, sócio-fundador e conselheiro no Grupo IAUDIT. Foto: Divulgação

Desde o anúncio da inconsistência financeira de R$20 bilhões na última semana, a Americanas perdeu R$9 bilhões em valor de mercado, enquanto as ações registram movimentações expressivas, aparentemente longe de reverter a queda desde quarta-feira (11).

Em seguida, a dívida de R$20 bilhões declarada pela empresa à Justiça é de R$43 bilhões. 

Segundo o comunicado oficial da Americanas, tais inconsistências estariam em lançamentos contábeis "redutores da conta fornecedores".

Esses lançamentos tendem a ser operações de financiamento de compras, nos quais a companhia pode ser devedora solidária das instituições financeiras e que estas operações, eventualmente, não estavam "adequadamente refletidas" no balanço. 

A contabilidade deve ser feita para registrar atos e fatos da empresa, no momento oportuno, nos registros contábeis ou em suas notas explicativas, de forma que todos os stakeholders da empresa sempre tenham a maior visibilidade possível e transparente da situação patrimonial da empresa na data base dos exames.

Quanto aos auditores (internos e externos), área de compliance, responsáveis pela gestão de riscos e empresas de rating, fica a questão de que se um “não registro contábil” de R$20 bilhões aria despercebido.

Além desta questão, a empresa pediu recuperação judicial por R$43 bilhões de dívidas em 16.300 credores. 

Precisamos tomar muito cuidado para que toda essa informação não seja somente uma confusão contábil, sem qualquer efeito material nos números da empresa. Ocorreram outros casos semelhantes, de proporções inferiores, mas ainda na casa de algumas dezenas de milhões.

É comum em um trabalho de revisão e controles internos, de auditoria externa ou de uma empresa de rating, encontrar alguns critérios contábeis, gerenciais e até mesmo redação de Notas Explicativas que tenham algum conflito de entendimento entre os envolvidos e a empresa sob exame, o que não significa que estejam sendo discutidas “fraudes”. 

Nestes casos, abre-se uma discussão para atingir um consenso comum, que seja razoavelmente aceito por todos, adequadamente entendido e transparente para quem vai ler o relatório ou parecer.

A experiência diária deixa claro que se não há consenso, então estas demonstrações devem ser “ressalvadas pelo examinador” e isso deve ficar muito notável para todos.

O rombo encontrado na Americanas, segundo o que se lê na mídia, partilha paralelos com o caso Enron Corporation, que ocorreu nos Estados Unidos em 2001, no qual as fraudes fiscais e contábeis da empresa norte-americana de energia ocasionaram uma dívida de U$13 bilhões na época.

Para entender o “caso Americanas” é preciso analisar o funcionamento de um balanço contábil da forma correta. 

Como funciona – ou deveria funcionar – o registro correto das dívidas da Americanas?

Supondo que uma organização X compra $50 bilhões em estoques para revenda, o lançamento contábil básico na empresa possui: débito de estoques para revenda e crédito de fornecedores a pagar em 180 dias.

Nesse cenário, vamos supor que um fornecedor Y decide antecipar o recebimento com um agente financiador, dessa forma, receberá de imediato, por exemplo, R$48 bilhões, enquanto o financiador ganhará R$2 bilhões de juros pela antecipação do valor. 

Logo, o fornecedor Y deverá registrar:

Débito em Caixa por R$48 bilhões

Débito: despesas de juros R$2 bilhões

Crédito: valor a receber da empresa X, que agora será recebido pelo agente financiador, por R$50 bilhões, decorridos os 180 dias.

Até este ponto, a empresa (X), compradora, não tem relação com a decisão do seu fornecedor Y em ter antecipado o seu valor a receber com um agente financiador qualquer.

Porém, o agente financiador do fornecedor (Y), normalmente exige uma “garantia” de que a empresa (X) irá pagar no vencimento, aqueles R$50 bilhões que serão descontados.

Via de regra as empresas devedoras fazem este “aceite de dívida e de compromisso do que será quitado na data e pelo valor devido”. Após a empresa (X) ter dado o “aceite na sua dívida com o fornecedor”, é preciso uma reclassificação, pela contabilidade da empresa X, da forma abaixo:

Débito: Fornecedores a Pagar

Crédito: Fornecedores a Pagar - títulos descontados pelo fornecedor Y junto ao agente financiador.

Portanto, na empresa (X), o registro de sua dívida  “sai de um bolso e entra no outro, da mesma pessoa”. 

Por outro lado, se a própria empresa X, decide descontar o título do fornecedor Y – ela mesma atuando como agente financeiro –, na data do vencimento - 180 dias depois neste exemplo acadêmico, e não faz o registro adequado da receita financeira, na contabilidade da empresa X, temos o seguinte cenário:

Débito de Fornecedores pela quitação da dívida – R$50 bilhões

Crédito de caixa (saída do dinheiro) – R$48 bilhões

Crédito de receita financeira – R$2 bilhões (é errado não registrar em receita - na empresa X, e manter o valor em alguma conta de Ativo, como “Valor a receber da minha empresa daqui a 180 dias”; vencendo este prazo, zera a conta de Ativo contra uma conta de Receita.

Esta situação pode ocorrer, caso a empresa (X) obtenha recursos com um agente financeiro, pague o fornecedor –  até mesmo com algum ganho financeiro pela intermediação – e registre a dívida somente no momento do efetivo pagamento deste agente financeiro, portanto no vencimento, 180 dias depois.

Pensando em evitar situações como essas, o caminho é intensificar os templates de controles internos, de gestão de riscos de valores materiais – que possam comprometer significativamente o Patrimônio dos acionistas –, rever os programas de trabalhos dos auditores – internos e externos (com atuação no procedimento internacional de Circularização Positiva, onde os circularizados respondem formalmente seu relacionamento com a empresa sob exame) e um grande e permanente processo de PDCA – Plan (planejar), Do (fazer), Check (checar ou verificar) e Action ou Act (agir) – nos Controles Internos Corporativos.

Uma situação de conluio, na qual diversos envolvidos ocultam uma mesma situação irregular, nunca pode ser descartada.

Porém, para o número utilizado acima, amplamente divulgado pela mídia - caso Americanas, tende a ficar mais perceptível que há  – ou houve – alguma falha de entendimento de critério de registro, a qual precisa ser discutida e, com certeza, obter um consenso comum entre todos, na melhor forma de deixar transparente estes registros contábeis.

Foram R$20 bilhões encontrados em prováveis erros contábeis, que se tornaram R$ 43 bilhões em dívidas declaradas, o que pode ser um dos piores escândalos contábeis das últimas décadas - no Brasil - e pode fazer o caso IRB se assemelhar a um eio no parque.

O grande risco desta situação é o mercado ficar pensando qual empresa será o próximo caso.

Se a situação de erro se tornar uma realidade em uma determinada empresa, possivelmente muitas empresas do mesmo segmento tendem a ter seguido o mesmo caminho: sem má fé, mas com divergências de critérios contábeis não adequadamente discutidos.

Por outro lado, uma vez tudo esclarecido, a tendência é que tudo retorne à normalidade.

*Por Ivo Cairrão, sócio-fundador e conselheiro no Grupo IAUDIT.

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